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“A Inteligência Artificial muda as regras todas”, revela Pedro Monteiro

Chief Technical Titan na Critical TechWorks, joint venture do BMW Group, Pedro Monteiro é responsável pelo desenvolvimento de tecnologias avançadas para os modelos da marca alemã. Entre os muitos projetos que “agarrou”, tirar as mãos do volante é a prioridade
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Check-up Media Pedro Monteiro Critical TechWorks

Pedro Monteiro, Chief Technical Titan da Critical TechWorks, é um nome a seguir na transformação tecnológica da indústria automóvel. Doutorado em física e com uma vasta experiência em data science e machine learning, lidera, atualmente, a equipa que está a revolucionar a condução autónoma do BMW Group.

São muitos os desafios que enfrenta, com destaque para o processamento de grandes volumes de dados e o desenvolvimento de algoritmos avançados. A Critical TechWorks, joint venture do gigante alemão com a portuguesa Critical Software, encontra-se na linha da frente do desenvolvimento de Sistemas Avançados de Assistência ao Condutor (ADAS) de Nível 2 e 3, procurando revolucionar o mundo automóvel com recurso à Inteligência Artificial (IA), que “muda todas as regras do jogo”, como garante em entrevista ao Check-up.

Desde a sua criação, em 2018, a Critical TechWorks tem crescido exponencialmente, contando, agora, com cerca de três mil colaboradores distribuídos entre Porto, Lisboa e Braga, gerindo cerca de 250 projetos em parceria com a BMW. Pedro Monteiro acredita que o futuro da empresa passa por expandir o seu conhecimento e influência, especialmente nas áreas nucleares da condução autónoma e IA, ao mesmo tempo que reafirma a importância do “contributo humano” na era da automação da mobilidade.

Como está a Critical TechWorks a integrar a IA nos sistemas de condução autónoma e quais são os maiores desafios que enfrentam na implementação dessas tecnologias em veículos de produção da BMW?

A Critical TechWorks está presente em desafios diferentes. Um deles, está relacionado com o processamento de grandes quantidades de dados e outro na construção de algoritmos de IA mais “inteligentes”. Os carros de testes usados para aquisição de dados de condução autónoma têm vários sensores: câmaras 4K, radares e LiDAR.

Neste caso, uma sessão de uma hora, pode representar terabytes de informação, o que é equivalente a centenas de DVD, para quem se lembra deles. Esses dados, vindos diretamente dos sensores, têm de ser transformados de modo a que fiquem com o formato adequado para o passo seguinte, o treino dos modelos de IA. Esta parte é a mais difícil do ponto de vista de engenharia e implementação, porque é preciso encontrar e arquitetura que permita que os algoritmos de IA aprendam mais depressa.

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A IA funciona por aprendizagem e penalização. Por exemplo, temos dados que vêm dos sensores e uma determinada ação que queremos que o carro faça. Neste caso, se o carro fizer a ação correta, tem uma recompensa. Caso faça uma errada, recebe uma penalização.

Outro exemplo será uma necessidade de projetar as vendas para o próximo ano ou a venda de um determinado pacote, como exemplo o Pack M da BMW. O algoritmo de IA vai analisar os dados anteriores, encontrando padrões, e, depois, faz uma previsão. Se o erro de previsão for mínimo, não se penaliza muito o algoritmo. Caso seja muito grande, damos maiores penalizações. O algoritmo aprende isto automaticamente.

É, sem dúvida, muito interessante, mas acaba por ser, no fundo, tudo estatística muito avançada. Voltando à questão inicial, como os sistemas de condução autónoma com IA são muito complexos, acabamos por classificá-los em patamares de autonomia. Que vão desde o Nível 0, que corresponde a um carro sem automatismos, até ao Nível 5, em que o carro é completamente autónomo.

O que falta para chegarmos ao Nível 5 da condução autónoma? Para tirarmos as mãos do volante?

A empresa que tem os melhores sistemas de condução autónoma é a Waymo, que pertence ao Grupo Google. Esta empresa está no Nível 4 e tem já um serviço de robotaxis. Contudo, este carro tem ainda bastantes restrições na sua autonomia.

O Nível 4 significa que o carro, em determinadas circunstâncias, consegue circular sozinho, sem ninguém a conduzi-lo. Para isso, é preciso que o sistema tenha conhecimento das infraestruturas envolventes, nomeadamente as estradas. Precisará, também, que as condições meteorológicas o permitam, porque em caso de muita chuva o sistema poderá mesmo não funcionar.

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No Nível 5, já é o carro que conduz por si, tão bem ou melhor do que um ser humano. Contudo, ainda não estamos nesse patamar. Já no que diz respeito ao Nível 4, como referi, temos casos em que já está em funcionamento, como é exemplo a Waymo, em São Francisco, nos EUA. Mesmo imaginando que tínhamos esse carro de Nível 4 em Lisboa, ele teria muitas dificuldades em circular sozinho, uma vez que as ruas de Lisboa são muito diferentes das de São Francisco.

É esta generalização da aprendizagem, para funcionar em qualquer situação e estrada, que temos de melhorar. Não gosto de fazer futurologia, mas acredito que ainda falta bastante tempo para atingirmos o Nível 5. O que falta para conseguirmos dar esse passo em frente são algoritmos que consigam aprender melhor e, também, acesso a mais dados.

Neste momento, estamos a aplicar muita força bruta, porque trabalhamos com imensos dados e estamos à espera que os algoritmos aprendam. Quanto mais depressa aprenderem, mais depressa conseguiremos chegar ao Nível 5 da condução autónoma.

Um condutor com 53 anos ainda vai poder ter a experiência de ir, de forma autónoma, para o trabalho? Ou o Nível 5 já não será para ele?

Acredito que sim, mas não será nos próximos cinco anos. Há ainda muita coisa a fazer, mesmo depois de encontrados os algoritmos perfeitos. É preciso treinar, para não falar da parte da legislação.

E os seguros…  

Sim, porque os sistemas atuais já trazem muita automação vinda destes algoritmos e, no caso da BMW, existe já uma função de condução autónoma de Nível 3. Num BMW destes, podemos estar a ver um filme enquanto o carro está a operar – claro que o carro tem um sistema de aviso quando situações de potencial perigo surgem e aí o condutor tem de voltar a segurar no volante. Se durante a operação desta função de Nível 3 o carro tiver um acidente, será preciso analisar de quem foi a culpa.

“Não gosto de fazer futurologia, mas acredito que ainda falta bastante tempo para atingirmos o Nível 5 da condução autónoma. O que é preciso para conseguirmos dar esse passo em frente são algoritmos que aprendam melhor e, também, acesso a mais dados”

No caso de acontecer algum acidente, existe já legislação da União Europeia para atender estes casos. Neste momento, os automóveis ligeiros matriculados pela primeira vez na União Europeia têm de ter um dispositivo semelhante à caixa negra dos aviões, onde guardam os dados dos sensores, um pouco antes e um pouco depois do acidente, sendo estas ferramentas essenciais à medida que os carros ficam cada vez mais autónomos. Então, se o carro conduz sozinho, de quem é culpa? São este tipo de questões que estão a ser colocadas no momento.

Em Portugal, ainda não é possível ativar a função de Nível 3 existente no BMW i7, visto ainda não haver legislação portuguesa que o permita. Na Alemanha é, mas só para determinadas estradas. A componente legal da condução autónoma é uma área bastante interessante e recente.

Estão envolvidos em tudo o que é experiências? O que é que pode vir a ser o futuro?

Estamos envolvidos em vários projetos relacionados com a próxima geração de carros da BMW, o Neue Klass. A Critical Techworks é um hub focado em projetos onde existe pesquisa e desenvolvimento, mas já com alguma definição e num horizonte temporal mais definido. Contudo, a BMW tem departamentos onde pensam como é que deve ser o carro do futuro, o carro dos próximos 15 ou 20 anos.

Foquemo-nos na manutenção preditiva… De que maneira está a Critical TechWorks a aplicar a IA para prever necessidades de manutenção em veículos?

Existem algumas coisas que a BMW já faz nesta área. Os carros do mercado têm já sistemas de registos e muitos conhecem até os conectores OBD. A BMW tem já um serviço que deteta potenciais problemas no carro, alertando o dono do veículo. Além disso, envia, também, essa informação aos concessionários, caso seja preciso proceder a um arranjo.

A marca saberá, no futuro, a avaria do carro antes de esta acontecer. Será para aí que caminhamos?

Sim, principalmente porque os carros cada vez têm menos peças mecânicas e são mais digitais. Os veículos modernos têm uma imensidade de sensores e, com esta informação, há muitas coisas que podemos medir, conseguindo prestar a assistência necessária. Mesmo do lado da fábrica, a BMW tem manutenção preditiva em alguns dos seus processos.

Se olharmos para uma fábrica, esta tem de estar sempre a funcionar, porque caso uma máquina avarie, tal pode significar muitas horas de paragem. E, isso, tem um impacto muito grande na operação inteira. Neste sentido, a BMW tem, em algumas fábricas, sistemas de IA para detetar quando alguma máquina possa falhar. Com essa informação, conseguem fazer manutenção preventiva e, como resultado, as linhas de montagem não param com tanta frequência.

Também existe a IA na parte da qualidade da pintura, por exemplo. A BMW tem robots e sistemas com sensores para identificar imperfeições na pintura do carro. Na generalidade, podemos utilizar IA na montagem de carros reduzindo, assim, o número de erros, porque a verdade é que tanto um humano como as máquinas podem cometer falhas.

Como está a aplicação de IA nos veículos a influenciar o aftermarket? Que oportunidades e desafios vê para os fornecedores de serviços e peças para automóveis?

Não sei como é que o mercado vai evoluir nesta área, pois a minha área é a condução autónoma, mas é certo que os construtores, tendo acesso a informação relevante, conseguem prever, por exemplo, que peças vão precisar para os carros – quantas peças e quais as alturas em que precisam mais. Ao preverem, conseguem mudar o stock e reduzir os custos, mas há ainda muita reinvenção necessária neste processo, porque tudo isto gira à volta do conceito do carro conectado.

Será mais fácil uma marca chamar o cliente, sabendo o histórico todo do carro, do que uma oficina independente, que vai ter de reinventar-se…

Potencialmente, sim. Mas também temos de ver que, ao fazermos isto, estamos a fazer uma manutenção preditiva, que serve para reduzir os custos ao cliente. Em vez de o estrago ser muito maior e dispendioso, estes cenários acabam por ser mais fáceis de gerir. Os benefícios que esta tecnologia nos oferece traduzem-se em custos menores de manutenção para os proprietários.

Como está a Critical TechWorks a utilizar big data e analytics para desenvolver e otimizar os modelos de IA aplicados aos veículos? Que tipo de dados são mais fundamentais para esses processos?

Depende muito das áreas de negócios. Estamos muito envolvidos no novo sistema de venda de carros, que o BMW Group está a implementar. A própria MINI, em alguns países, permite ao cliente ir diretamente ao website, fazer a configuração e comprar o veículo no mesmo instante. Nestes casos, os dados dos clientes têm de ser recolhidos pelo sistema.

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Tendo essa informação sobre os padrões de compra e pesquisa de veículos, podemos usar, então, IA para fazermos previsões em várias áreas, como, por exemplo, a previsão de venda de veículos. No caso da condução autónoma, já é diferente: o foco é na eletrónica e sensores para que estes consigam capturar bastante informação.

Aqui, falamos mesmo de big data, com quantidades massivas de dados. Aliás, a quantidade de dados é tão grande que os próprios carros de teste têm sistemas eletrónicos extra para a captação fiável de toda a informação dos sensores. Com esses dados, então treinamos modelos de IA muito complexos.

Para percebermos um pouco melhor o que é a IA, podemos construir o paralelo com o cérebro humano: no nosso cérebro, temos muitos neurónios que são graus de liberdade para pensarmos e para aprendermos. Na IA usada em condução autónoma, também usamos um equivalente aos nossos neurónios.

Essas redes neuronais artificiais de aprendizagem, também tendem a beneficiar quando adicionamos mais “neurónios” porque, assim, damos mais graus de liberdade para, depois, o sistema conseguir aprender melhor. São modelos muito grandes, treinados em servidores onde o treino custa muito dinheiro.

Que medidas está a Critical TechWorks a tomar para garantir a segurança e a privacidade dos utilizadores, considerando a grande quantidade de dados gerados e processados por sistemas de IA nos veículos?

Esta parte é sempre desafiante. Do lado da BMW, existem departamentos que servem, única e exclusivamente, para lidar com este tipo de compliance, para garantir que os utilizadores deram as devidas permissões e que só os sistemas que precisam têm acesso aos dados já devidamente anonimizados.

“Em Portugal, ainda não é possível ativar a função de Nível 3 existente no BMW i7, visto não haver legislação que o permita. Na Alemanha é, mas só para determinadas estradas. A componente legal da condução autónoma é uma área bastante interessante e recente”

O acesso aos dados de carros de vendas são muito restritivos e a anonimização é muito exigente. Por um lado, a BMW precisa da identificação do veículo (VIN). Por outro, é preciso garantir anonimidade. Atualmente, existem maneiras de compartimentar esta informação de modo que não exista acesso à mesma.

Como imagina o negócio e a atividade da Critical TechWorks nos próximos cinco anos? Ou é um desafio impossível atendendo à rapidez com que estes sistemas evoluem? Como gostavas de ver a empresa?

Gostaria de vê-la crescer ainda mais na condução autónoma, na IA. É uma área crítica para o grupo. Para mim, está exatamente alinhado com o meu skillset. Penso que vamos conseguir. Mesmo quando estivermos com um crescimento mais moderado ou atingirmos o número máximo de pessoas, temos de pensar em ganhar sempre mais conhecimento.

E o próximo passo será ganhar influência na indústria. Começamos por crescer as equipas, depois começamos a entregar com qualidade como temos feito ao longo dos últimos anos, mas sempre com o objetivo de também influenciar o ecossistema.

Acha que será a IA a comandar pessoas e veículos, no futuro, ou será a organização que a souber utilizar corretamente que vai liderar essas pessoas e veículos, tendo em conta que a IA é criada por humanos?

É muito difícil saber. Muitas coisas podem ser automatizadas e podemos utilizar a IA para isso, mas, no limite, estamos a criar produtos para pessoas. E é feito por pessoas, não é? E há sempre limites legislativos.

A meu ver, tem de haver sempre uma motivação humana para desenvolvimento destes produtos, daí achar que haverá sempre funções que os seres humanos nunca deixarão de fazer. Existe, também, uma grande euforia por causa do ChatGPT, dos Large Language Models.

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E as decisões da máquina podem não ser as melhores…

Isso é uma área muito esotérica e filosófica. Para já, são as máquinas a ajudar os seres humanos. No futuro, não sei o que poderá acontecer, até porque a tecnologia tende a surpreender-nos.

Existem já empresas a trabalhar em implantes cibernéticos para pessoas. Por isso, não sei o que será o futuro, mas acredito que no futuro a fronteira entre máquina e pessoa fique menos tangível.

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