Caminhos diversos podem ir dar a um mesmo destino. Basta pensar nos rios que correm em direção ao mar. E na relação das pessoas com os seus objetivos laborais. O que importa, acima de tudo, é a sua essência. Muito foi falado nesta conversa do Check-up com Matthias Bleicher e Sadhna Monteiro Bleicher, respetivamente CEO e diretora de vendas & marketing da LIQUI MOLY Iberia.
A entrevista a esta dupla, que funciona como um autêntico “cérebro” da empresa em Portugal e Espanha, estava, inicialmente, agendada para uma manhã de dezembro do ano passado. Mas uma tempestade como há décadas não se vislumbrava em Portugal deixou Lisboa completamente submersa e obrigou a adiar o encontro.
Houve que voltar a acertar agendas. Uma arte em movimento, devido ao enorme dinamismo da LIQUI MOLY Iberia, com os dias e semanas sempre compostos de viagens e eventos. Um ritmo que encontra equilíbrio num passeio de moto pelo Guincho, na meditação, ou, simplesmente, no conversar com o próximo.
Tirá-los do campo, onde vivem, e trazê-los à capital foi outro desafio. Mas o Check-up conseguiu fazê-lo, desta vez, num dia de sol, brilhante como o verão. Deixámos de lado os produtos da LIQUI MOLY – nas mãos dos “génios” que os fabricam – e focámo-nos na principal matéria-prima: a humana. Ou não seja sempre de pessoas e da sua “atitude correta e autêntica” que se fazem as empresas de sucesso.
Da última vez que tentámos combinar esta entrevista, Lisboa ficou debaixo de água. Uma tempestade autêntica. Hoje está sol e parece verão. O sucesso de uma empresa como a LIQUI MOLY passa pela capacidade de adaptação ao bom e ao mau tempo?
Matthias: Adaptação está no nosso ADN. A nossa ideia principal, quando estamos a chegar a qualquer país, para começar o negócio, não é apenas vender, implementar e impor a qualquer custo o que temos em mente.
A capacidade – e a grande vantagem da organização familiar que somos – é chegar, observar, analisar e, depois, atuar, seguros do que é preciso no mercado local, não do que nós queremos.
Não há dois moldes iguais…
Matthias: Exatamente. Se comparares os modelos de êxito da LIQUI MOLY em 20 países distintos, encontrarás 20 maneiras diferentes de implementação do negócio. Se fores ao Chile, é completamente distinto da Argentina. O Uruguai também nada tem a ver. E Portugal é outra coisa completamente distinta.
Não temos esse modelo firme, onde chegamos e impomos. Em traços gerais, sim, são sempre similares. Estamos no aftermarket. As infraestruturas são distintas em cada país, mas em grandes trações são similares.
Mas há muitos pormenores que temos de ter muito cuidado e ajustar. E mostrar uma certa flexibilidade, porque se não és flexível num determinado pormenor, podes fracassar em todo o projeto. A flexibilidade é uma das nossas fortalezas. Ainda que, por vezes, possam pensar que somos uma empresa rígida, por ser alemã. Mas não somos rígidos. De todo.
Sadhna: Aquilo que fazemos com a LIQUI MOLY é um bocadinho uma chave do sucesso na vida em geral. Claro que na vida particular estabeleces a ti próprio essa flexibilidade e essa mudança para o que queres. Aqui há algumas regras – é business – que têm de ser cumpridas.
Mas é esta flexibilidade de mudança na tua própria vida que te permite estar up to date e manteres-te saudável. Até porque não tens sempre os mesmos objetivos. E uma empresa também não quer apenas crescer em volume. O motivo não pode ser só esse.
À medida que as trends mudam, que a forma do cliente muda, à medida que as dificuldades das empresas se alteram ou os ventos são favoráveis, nós próprios temos de ser mentores dessa mudança e dessa adaptação.
Dá imenso trabalho e tira-nos imensas vezes da nossa zona de conforto, mas é extraordinário. Precisas de um perfil algo distinto para conseguires, ano após ano, ser flexível. Tal como no mundo espiritual: “A mudança é a única congruência, a única coisa estável na vida”. Na LIQUI MOLY, vivemos isso de uma forma muito presente.
Uma receita para lidar com os momentos mais stressantes?
Matthias: A receita que tenho é subir para a minha moto e passear pelo Guincho. Tenho alguns pontos estratégicos, perto de mim, que utilizo para nivelar-me outra vez quando estou mais em baixo. Em pouco tempo recupero.
É uma questão de ganhar equilíbrio nas duas rodas…
Matthias: Nem mais. E faço-o muitas vezes. Saio por aí. Quando sinto que há muita pressão, retiro-me. Faço isso e recupero. É como dormir a sesta. Muito importante. Sagrado. Desde pequeno que é assim e vou manter. Realmente, quando temos uma agenda sobrecarregada, basta uma hora e volto de tarde com a mente fresca.
Qual é o teu truque, Sadhna?
Sadhna: Não sei bem se são truques. Sou muito a favor da partilha. Gosto muito de saber o que os outros pensam. Portanto, se tenho um momento stressante, gosto de partilhá-lo com algumas pessoas da equipa, para que, mais ou menos, me possam guiar nesse assunto.
Acho que ganhas uma perspetiva diferente quando escutas os outros. Há uma parte do drama e do stress que é teu. Então é bom irmos a outra pessoa para perceber que, se calhar, estou a dramatizar um pouco e não é preciso.
Gosto de fazer o mesmo com os clientes. Não é a primeira vez que recorro a clientes para saber como é que vou sair de uma situação stressante com outro cliente. Não preciso de identificar o cliente. Só de falar na situação hipotética, perguntar à pessoa se já lhe aconteceu isto ou aquilo com outro fornecedor. Daí vêm sempre ideias.
E, depois, tenho outro muito idêntico ao do Matthias: afastar-me do problema. Afastar-me do stress. Ganhar distanciamento. Isso aprendi com a vida. Não era assim. De todo. Era aquela pessoa que tinha de resolver na hora.
E, hoje, afasto-me, vou fazer algo completamente diferente – sabes que a meditação, a leitura, a introspeção, para mim, são chave – e penso sempre assim: mesmo que isto aconteça, o que é que pode acontecer à empresa, a mim? Nada, na verdade, nada.
É como começar do zero. Quando volto, já olho para aquela questão como um desafio em que vou ter de desdobrar-me, mas já não da mesma forma, com a mesma carga…
O monstro já não tem tantos braços…
Sadhna: Sim, é isso, já tem menos braços. Mas fui aprendendo…
Matthias: Ainda a propósito desse tempo para nós… Lembro-me da empresa do meu pai, na Alemanha, já há 40 anos. Ele tinha uma fábrica de móveis. Era um trabalho em que tínhamos de usar os braços. Implicava muita força. E o meu pai criou, dentro da fábrica, uma área com camas, onde todos os funcionários podiam dormir durante duas horas.
Era muito pouco comum e muitos achavam-no “louco”. E ele dizia sempre: eles trabalham duro de manhã e têm de trabalhar duro de tarde. Têm de descansar. Todos recuperávamos as forças. E quando voltávamos, vínhamos restabelecidos. Podíamos continuar até à noite.
A experiência e o conhecimento são uma espécie de poder para lidar com um mercado em constante mudança?
Matthias: Experiência e conhecimento… em quê? Se estamos a falar agora de contratações e de recursos humanos, de pessoas, contratamos pelo carácter, pela atitude. O que fazemos não é rocket science. Temos os nossos génios na fábrica a desenvolver estes produtos maravilhosos.
Aqui, no mercado, tratamos de rodear-nos de gente com atitude na vida, em geral. Boa gente com boa onda e atitude para criar um ambiente amigável, dentro do possível, porque o mercado já é suficientemente “louco”.
Claro que necessitas sempre de experiência. Mas é mais importante a experiência da vida e na forma como lidar com determinadas situações. Há gente muito capacitada, nos centros, com os químicos, com a parte técnica, no desenvolvimento dos produtos. Aí é fundamental. Nós lidamos com a vida real, diária, com mecânicos, com pontos de venda, com gente como tu e eu.
Atitude positiva, querer crescer e não perder o foco. Se alguém chega e diz que conhece tudo, não é necessariamente a pessoa que queremos connosco. Não estamos à procura do maior cérebro do mercado, mas das melhores pessoas a nível humano.
O que procuramos é uma certa harmonia, que temos na vida particular e que queremos na vida de trabalho. Caso contrário, não há equilíbrio. Isso só é possível com uma equipa humana.
Sadhna, acrescentas alguma coisa?
Sadhna: O meu marido é tão sábio (risos)… não deixa muito por dizer.
São uma família grande e uma grande equipa. Há alguma receita que consigam replicar num e noutro contexto?
Sadhna: Uma das coisas que nos mantém juntos, pessoal e profissionalmente, é a congruência.
Somos duas pessoas muito sérias nesse ponto. Somos muito “loucos” – vocês percebem – muito out of the box, viemos para o mercado fazer não tudo ao contrário, mas à nossa maneira.
É um pouco como a experiência. É necessária, certo. Mas nós, ainda hoje, não fazemos as coisas como o cliente ou as outras marcas fazem. Continuamos na nossa vibe: ok, ainda bem que fizeram e que resulta assim, mas não apetece nada levar com a pastilha como todos os outros.
Quero a minha pastilha original. É como estamos na vida. Mas temos vários pontos de encontro: a congruência, a seriedade, o compromisso. Transportamos isso para a empresa.
Matthias: Aquilo que procuro num amigo é o mesmo que procuro num trabalhador: a confiança. Sou assim: contrato e dou toda a liberdade que a pessoa queira. Ela pode não me ouvir durante meio ano. Nada. Porque eu confio que ela está a fazer as coisas da melhor forma possível.
Agora, se deteto que ela está a aproveitar-se dessa confiança, aí teremos um conflito para resolver. Gosto imenso de trabalhar assim. Contratar e deixar fazer. Observar.
Sadhna: Isso leva-nos a gostar muito de trabalhar com pessoas muito diferentes. No início, com a equipa, não era fácil. Porque uma pessoa é diferente e tem limites distintos. Não gosta de fazer aquilo como todos os outros, pela mesma ordem. Embora o resultado seja o mesmo.
Tens de educar a equipa e dizer: olha, ele não é pior, simplesmente faz de maneira diferente. Recrutámos uma pessoa diferente. E temos isso. Nós temos na equipa os acelerados, aqueles que entregam ali no dia e na hora, mas que não são os mais espontâneos, os mais criativos. Não podes pedir a uma pessoa muito criativa que tenha muitos deadlines, porque isso não combina com ele.
Mas quando faz, acrescenta valor…
Sadhna: Sim. Traz sempre alguma coisa nova. Tens de ter esta capacidade de sair da regra, do lado muito formal – que, por vezes, vale o que vale – e ver mesmo a essência da pessoa e o que ela traz. E, depois, no fim perguntares: gostas de trabalhar aqui? E a pessoa dizer que acorda de manhã com vontade de trabalhar. Isso é perfeito!
Mas tem de haver compromisso. Tem de ser alguém que, quando as coisas não correm bem, podemos chegar ao pé e dizer: precisamos disto. E haver entrega da sua parte. É isto que procuramos. Não temos de concordar sempre. De vestir todos de igual. De todo. É esta diversidade que que traz esta cor à LIQUI MOLY e que, às vezes, falta, na minha opinião, noutras marcas ou empresas.
Matthias: Fazemos isto porque nos deixam fazê-lo desde a Alemanha. Não sou o dono disto tudo. Sou o executor da filosofia da empresa na Alemanha. Podemos fazer o que estamos a fazer porque nos deixam. Temos o mesmo mindset. “Faz à tua maneira”.
É uma mente muito resolvida. O que interessa é o resultado final. O caminho pode ser diferente, porque, na Alemanha, o caminho é mais a direito, mas nós, por vezes, temos de fazer isto (desenha curvas com as mãos). O destino é o mesmo.
E quando se chega a uma bifurcação? Pegando no exemplo da moto: ambas as vias parecem atraentes. Como fazes para escolheres o caminho certo?
Matthias: Acontece muitas vezes…
Sadhna: Ele pergunta-me e faz o que eu lhe digo (risos)…
Matthias: (risos) Exato. É um pouco assim. Muitas vezes, sinto-me assim.
Porque contrato pessoal capacitado e digo “quero isto”… e depois, digo, ok… vamos arriscar. Se nos equivocarmos, fazemos como no tango…
Por vezes, é preciso dar dois passos atrás para dar um em frente…
Matthias: Nem mais. E equivocamo-nos muitas vezes.
Sadhna: Eu sou 100% intuitiva. Ele também é, mas não aplica tanto. Mas isso é bom. Porque, assim, conseguimos equilibrar. Mas eu vou muito, muito pela intuição.
Matthias: Vou admitir outra pessoa em Espanha. Normalmente, coordeno-me sempre com os meus colegas na Alemanha e explico que vou contratar tal pessoa para determinado cargo. De repente, eles veem o currículo e ligam-me da Alemanha a dizer que o currículo não tem nada a ver. E eu: acreditem em mim, porque creio firmemente que esta pessoa tem a capacidade humana para alcançar o que procuramos.
Fará de maneira distinta? Provavelmente. Mas não interessa. Porque gosto e acredito nela. Tenho um feeling humano de que integrará bem a equipa. E se o resultado final chegar, porque não? Vamos tentar! Vale a tentativa. Por vezes, enganamo-nos. Outras, descobrimos alguém que nos serviu para outra coisa que nem estava planeada.
Sadhna: Sim. No final, estávamos a discutir – além de ser uma mulher na equipa – claro, recebes uma pergunta de um superior na Alemanha e questionas: deixa-me pensar, se calhar estou mesmo louca. Ou mais louca ainda do que normalmente.
Mas, depois, pensas: não pode dar mais errado do que já deu com pessoas que eram do mercado e com experiência. E que não valeram um cantar galego. Pode ser pior? Então, se não, qual é o risco? Se a pessoa parece ter a atitude e a personalidade que queremos…
Se formos a ver por aí, por exemplo, eu nunca estaria no lugar onde estou. A mim foi-me dada uma oportunidade por uma pessoa com muita experiência, que olhou para mim e viu carácter, atitude e caraterísticas que podiam ser úteis. Não viu em mim a experiência neste ramo, nem conhecimento neste mercado. Nada disso. Eu encontrei o meu caminho.
Matthias: Queremos encontrar pessoas autênticas. E não pessoas que nos querem vender algo. E chegam já com um discurso treinado. Se chegar outro, de forma natural, cai bem. É outra conversa.
Dá mais vontade de comprar a este que é autêntico e que da sua forma própria te faz chegar esse projeto, esse produto. Esta atitude humana, amigável, vale mais do que toda a experiência que possa ter em vendas.