Passaram 10 anos desde que Hélder Pereira assumiu o cargo de sales director IAM Portugal da MANN+HUMMEL Ibérica. Uma espécie de “ponta-de-lança” do fabricante germânico que passava a ter representação oficial no mercado nacional. Uma oportunidade para uma conversa com o Check-up sobre o passado, presente e futuro do gigante especialista em sistemas de filtração.
No passado dia 7 de setembro, cumpriste 10 anos de MANN+HUMMEL. O que sentes ao fim desta década?
São 10 anos, não são 10 dias, nem 10 meses. Tinha quase 38 anos quando entrei na empresa. Foi muito interessante, porque estou no projeto desde o início.
Estás em Portugal desde o início da operação…
Precisamente. Ou seja, a marca, antes, tinha apenas um representante. E, a partir do momento em que eu vim, deixou de o ter e passou a ter uma sucursal em Portugal. Fui eu o responsável desde o primeiro dia.
Pode dizer-se que foste o “ponta-de-lança” da empresa no mercado português?
Exatamente. No fundo, para reformular todo o projeto que tínhamos aqui. Era um projeto diferente. Um representante em que a função dele era somente vender e cobrar. Houve uma mudança de paradigma: ter um responsável, dos quadros da empresa, que respondesse pela marca em Portugal. Que fosse a cara da empresa.
Na altura, há 10 anos, ainda só com uma marca, a MANN-FILTER. Era a que representávamos e comercializávamos. Só depois, em 2017, adquirimos as marcas WIX Filters e Filtron, quando o grupo adquiriu o Affinia Group, nos EUA. Havia duas fábricas na Europa, uma Polónia e outra na Ucrânia.
Nestes 10 anos, foi este o percurso. Entrar para “tomar conta” de uma marca e desenvolver toda uma estratégia. E, depois de 2017, o repto do grupo passou por adquirir duas marcas, acrescentar portefólio, estruturar a rede de distribuição que tínhamos na MANN-FILTER para o que temos na WIX Filters e na Filtron.
Foi uma década evolutiva: na estratégia e desenvolvimento do negócio. Também nesse desafio novo, que foi introduzir marcas novas no portefólio – além de, claro está, introduzir clientes nas duas marcas.
Como caraterizas o mercado de filtros em Portugal? E como o comparas com aquilo que era há 10 anos?
Mais do que há 10 anos, lembro-me, quando comecei a trabalhar, em 1999. Na altura, quando visitava casas de peças, filtros e travagem eram um pouco como o “arco-íris”. Ou seja, os clientes tinham um bocadinho de tudo. Porquê? Porque, para os alemães, tinham esta marca. Para os franceses, tinham outra. Para os italianos, esta. Para os japoneses, a outra. Para os sul-coreanos, aqueloutra.
Era uma sopa de letras. O que mudou em relação aos dias de hoje é que, cada vez mais, os clientes são mais “marquistas”, mais defensores de marcas. Identificam-se mais com uma marca, em vez de escolherem várias marcas. Porquê? Porque, antigamente, as marcas também eram muito identificadas com o país de origem. Uma marca alemã, como a MANN+FILTER, era identificada com carros alemães. Uma italiana, com carros italianos.
Essa alteração também de deveu ao facto de o mercado ter tomado consciência de que, nós, fabricantes, produzimos para todas as marcas: italianas, sul-coreanas, francesas, japonesas, alemãs… Fabricamos para todas.
Hoje, nos filtros, separa-se o portefólio por uma segmentação premium, budget, low cost. Antigamente era uma segmentação por marca, por nacionalidades. Hoje, um cliente não identifica uma marca pelo país de origem, mas sim pelo tipo de qualidade.
Se é primeiro equipamento, original, se é uma marca low, quality, budget, se é uma marca própria. E a evolução maior foi essa. Os clientes são muito mais ligados à marca e, isso, leva-nos a ser, também, mais ligados aos clientes. Porque vemos que os clientes defendem a marca. É o que nos interessa.
É fácil vender filtros em Portugal? E, já agora, quais são as diferenças em relação ao mercado espanhol?
Ainda que o parque tenha diferenças, os carros levam os filtros de forma igual em Portugal e Espanha. Todos eles precisam de filtro e todos o levam. Vender filtros é fácil.
É trabalho dos clientes e um bocado o que estava a dizer há pouco: ao vermos os clientes a tornarem-se muito mais defensores da marca, tornou-se muito mais fácil constituirmos uma equipa com eles. Procurarmos adaptar-nos às necessidades dos clientes para eles poderem chegar ao mercado muito mais facilmente, com mais ferramentas, com mais armas, com informações técnicas.
Isso é que faz, hoje, a confiança do mercado na marca. Os clientes procuram, cada vez mais, não ter problemas. E a facilidade passa por aí. Por todo um conjunto de ferramentas que proporcionamos aos clientes e ao mercado, para eles, no fim, entregarem um produto, um serviço, onde têm logística, stock, produto, qualidade, informação. E, depois, o preço. O que tentamos também é segmentar as marcas que temos, oferecer o preço mais ajustado à realidade do mercado.
Em Espanha, difere um pouco em termos de distribuição. Aqui, tens clientes ligados a marcas. Em Espanha, tens grupos ligados a marcas. Diferencia-nos um pouco.
Podemos, um dia, chegar lá, com a questão da concentração. Mas, hoje, é um pouco isso. Aqui, há um distribuidor que trabalha uma marca, em Espanha temos um grupo de distribuidores que trabalham uma marca. E, aí, as marcas estão com esses grupos (e estes tiverem um potencial de crescimento), o potencial de crescimento deles é maior.
Quem não está nesses grupos vai ter mais dificuldades. É o que procuramos também: estar com os melhores distribuidores, aqueles que perspetivamos que tenham maior capacidade no futuro, porque conseguem desenvolver mais negócio. Porque se eles desenvolverem negócio, nós desenvolvemos negócio.
Falando de sustentabilidade. É uma prioridade para a MANN+FILTER e para o próprio grupo? O que podes adiantar sobre o que anda o grupo a fazer nesta área?
Quando surgiu o Dieselgate, porque tudo parte daí, deu-se esta “corrida” à eletrificação e à sustentabilidade. Quando se trata de sistemas de filtração, há dois filtros que as pessoas consideram logo “mortos” nos veículos elétricos: os de óleo e de combustível. Mas, nos carros elétricos e com tenologias híbridas e plug-in, para desenvolveres uma tecnologia vais ter outros componentes. E aí o grupo esteve sempre dentro disso.
O grupo está dentro de todo o desenvolvimento tecnológico da eletrificação. Seja com outros sistemas de filtração para os carros elétricos. Por exemplo, completámos, agora, um investimento de mais de sete milhões de euros em novas linhas de produção na nossa fábrica de Saragoça para componentes elétricos – sistema de refrigeração das baterias elétricas.
Fazíamos em Espanha, além dos elementos filtrantes, dos filtros normais, de óleo, de ar. Agora, temos novas linhas já ligadas à eletrificação. São essas só do grupo na Europa – a única que existe no grupo.
Depois, a sustentabilidade é um bocadinho a palavra que se usa e gosta de usar. Está no dia a dia. Embora tenhamos todos a consciência de que, se formos ver a venda de automóveis em Portugal, no fecho do verão, os carros elétricos (PHEV e BEV) cresceram mais de 100%. Mas, se pensarmos, esses 100% de aumento dá uma quota de mercado de 2 a 3%. Estamos muito longe.
Quem tem uma oficina, em cada 100 carros que entram, três têm motorização elétrica. Mas os outros 97 continuam a estar equipados com motor a combustão. Havemos de lá chegar, devemos estar preocupados em evoluir e aprender, mais não seja uma oficina para quando lá entrar um veículo destes não dizer que não faz o serviço.
Cada ano, vemos uma evolução diferente. Num mundo perfeito, se amanhã deitássemos todos os carros com motor de combustão fora e nos dessem elétricos, não tínhamos capacidade de eletrificação nem de carregamento.
Além de filtros de óleo, de ar, de combustível e de habitáculo, a MANN-FILTER já desenvolveu filtros destinados a captar pó proveniente dos travões e dos pneus, que se gera também nos veículos elétricos. É mais uma forma de contribuir para a redução das alterações climáticas?
Quem pediu isso foi o primeiro equipamento. Esse envolvimento tecnológico – porque quando falamos dos motores de combustão e da poluição, muita desta é proveniente dos componentes de travões, de pneus. Todos eles também libertam componentes que são poluidores do ambiente. Como especialistas na parte dos sistemas de filtração, somos aqueles que as marcas procuram para corresponder a isso. Ou seja, dizem, “queremos o carro o mais verde possível, que polua o menos possível”.
A questão dos travões foi um bocado isso. Se virmos como é um jogo de pastilhas: os “ferodos”, como se costuma dizer, têm de ir para algum lado. Como sistemas que estamos a desenvolver, mais no norte da Europa, na Alemanha, que são autocarros ou mesmo camiões, equipados com sistemas de filtração na parte da frente, que limpam o ar. Toda a poluição que anda no ar é absorvida à passagem destes camiões. Estão a filtrar o ar da cidade. Desenvolvemos também isso. Andam e filtram o ar.
A MANN-FILTER é uma marca com maior expressão no mercado OE ou de reposição? E qual a tendência?
Sempre OE. Todas as marcas de primeiro equipamento têm como propósito da sua existência o primeiro equipamento. O desenvolvimento das tecnologias? O primeiro equipamento. É a pensar nisto que os produtos são feitos. O investimento é feito em linhas a pensar no primeiro equipamento. E será sempre o primeiro equipamento.
Qual a vantagem de uma marca como a MANN-FILTER? É ser uma marca do mercado independente, de reposição, mas com uma qualidade original. Porque fabricamos para o primeiro equipamento e, depois, temos também para o mercado de reposição. É a mais-valia que temos: as fábricas distribuídas pelo mundo para o primeiro equipamento, que também fabricam para o aftermarket.
Um filtro feito para o primeiro equipamento é um filtro feito para o mercado de reposição. Temos clientes que já foram visitar as nossas fábricas e, por vezes, ficam um bocado surpresos. Porque existe esse pensamento – poderá haver marcas, mas a nossa não – que têm duas linhas de produção: uma para o fabricante OE e outra apenas uma caixa amarela e verde. Não é o nosso caso.
Só o trabalho que se tem em mudar a linha de produção para fazer uma alteração, mudar-se o rolo de papel… Se fosse um rolo de papel diferente em termos de composição e qualidade, tudo isto não era viável. O que nos torna mais competitivos é uma economia de escala. Quanto mais fabricamos para o primeiro equipamento, mais vamos ser competitivos, porque mais vamos produzir, também, para o mercado independente.
São as mais de oito décadas de experiência no desenvolvimento de filtros que tornam a MANN-FILTER numa marca de referência?
Sim. Na MANN-FILTER, temos uma vantagem: somos monoproduto. Não somos monomarca porque já temos mais marcas, mas sim monoproduto. Todo o nosso envolvimento e investimento é feito no produto que se chama “filtro”. Temos vários tipos de filtração, desde sistemas de filtração de água, camiões, indústria, hospitais, aviões, comboios. Mas sempre dentro da mesma lógica de produto que é a filtração.
É o core business do grupo – e será sempre. Os investimentos são sempre feitos nessa perspetiva. Todas as empresas que adquirimos estão dentro desse mundo. O grupo procura sempre crescer dentro do seu core business, o seu conhecimento, desde o primeiro dia. Desde que nasceu para fabricar sistemas de filtração. É nisto que somos bons e é nisto que temos de continuar a investir e a melhorar.
Como assegura o Grupo MANN+HUMMEL que as marcas que detém não se “canibalizam” entre si no mercado?
Segmentamos as marcas pelo nível de qualidade. Ou seja, MANN-FILTER é uma marca premium, de qualidade original, a WIX Filters e a Filtron são marcas de low budget, de qualidade intermédia e um segmento intermédio em temos de posicionamento de mercado. Depois, outras marcas de preço, que nós já não temos, mas que haverá também.
A “canibalização” não existe. Mas depende até do carro em que se está a aplicar o produto. Num carro com 15 anos, se calhar, a pessoa tem um potencial de gasto inferior e não opta por uma marca de primeiro equipamento. Prefere outra de qualidade inferior. Procuramos uma estratégia de distribuição que vai em paralelo, também, com essa sensibilização de não haver uma “canibalização”.
Queremos que os nossos clientes trabalhem as duas marcas: a premium e a budget. Isso também nos permite, dentro dos nossos distribuidores, termos uma maior visão das vendas deles e não um a vender a marca do outro.
O envolvimento da MANN-FILTER na competição automóvel, com o DTM à cabeça, é o melhor campo de testes para avaliar a fiabilidade dos vossos produtos? Ou visa incrementar a imagem de marca?
A questão do grupo Motorsport nunca foi uma questão de utilizar isso para desenvolvimento de produto, tecnologia. É uma aposta que o grupo faz em termos da visibilidade da marca. Mesmo em termos comerciais, para nós, consegue ser uma ferramenta importante. Conseguimos levar clientes a eventos desportivos. Temos um maior enquadramento dos clientes do que é o mundo da MANN-FILTER.
É trazê-los um pouco à realidade do que fazemos em termos de marcas, do que proporcionamos aos clientes deles também. Isso é o mais importante no aftermarket. Mais uma ferramenta de apoio comercial que usamos para estar com os nossos clientes em certos eventos onde estão os carros. Haverá sempre desenvolvimentos tecnológicos. Mas desenvolvemos produto de competição para quatro carros, não é o nosso propósito maior.
Já desenvolvemos em Espanha um corredor de Dakar em que já concebemos filtros especificamente para o carro com que o piloto ia correr. Mas foi algo específico. Desenvolvemos filtros a pedido dos fabricantes de automóveis.
Eles é que nos indicam as especificações, as características, o que eles querem, o tamanho dos filtros, onde os vão colocar, qual o propósito do filtro, que capacidade de filtração tem de ter, qual a capacidade tem de reter, óleo e combustível. Tudo isso é dado pelo fabricante.
Os filtros compatíveis com combustíveis sintéticos que a MANN-FILTER disponibiliza para veículos comerciais é mais uma prova de que a marca está preparada para todos os cenários do futuro?
Se os fabricantes não desenvolverem carros com estas tecnologias, não vamos fazer. Eles é que sabem quais vão ser os carros do futuro, quais serão as estratégias de futuro. Nós somos quem lhes proporciona toda a tecnologia dos carros nessa área dos sistemas de filtração.
Em relação aos combustíveis, sejam alternativos, de combustão ou energias mais limpas, mais uma vez, serão eles a dizer-nos. São os fabricantes que têm essas respostas. Respondemos às suas necessidades. Eles dizem: vamos fabricar assim e precisamos desta tecnologia. E nós desenvolvemo-la dentro do know-how que temos.
Seja com biocombustíveis ou combustíveis verdes. A nossa responsabilidade é fabricar filtros que tenham o desempenho pedido pelo fabricante do automóvel. Fazemos o design e fabricamos os filtros, mas sempre com base naquilo que o fabricante pede.
Quando entramos na reta final do ano, qual o balanço de 2023? Já é possível fazê-lo?
Os primeiros três trimestres foram bons. Pelo que vemos do mercado, vai ser um ano de crescimento em todos os setores. Não só na manutenção, reparação ou colisão. Acho que será um ano bom para todos e, isso, nota-se, também, pelos investimentos feitos no setor. Pelos novos investidores que estão a aparecer no mercado – algo que antigamente não víamos e, hoje, vemos.
Fundos de investimento a entrarem no setor. Grupos internacionais a entrarem também, não só em Espanha, mas, também, em Portugal. Isso dá-nos uma perspetiva de um ano bom, mas igualmente com uma perspetiva de que 2024 e 2025 serão também anos bons em termos de desempenho do nosso mercado.
Razões para isso: é o mercado independente que está a ganhar ao mercado de origem? Sim. É o mercado de automóveis em segunda mão que cresceu com a questão da covid-19? Sim. Ou seja, todos esses fatores também contam, porque, ao fim e ao cabo, andamos a depender dos carros: quantos quilómetros andam, quando é que se ligam de manhã. Todo o portefólio de produtos que existem à volta do carro depende de este andar ou não.
Se houver mais carros em circulação, existe mais potencial de negócio. Mas, depois, também, se os clientes estão satisfeitos com o aftermarket continuam com este. A profissionalização do setor também é responsável por este desempenho. As oportunidades que foram aparecendo foram-se agarrando.
Os outros não responderam, mas o setor sim. E agarrou os clientes. E, depois, outras realidades, como as gestoras de frotas que se dedicaram mais ao mercado independente. Tudo isso são fatores que existem e continuarão a existir. Não vamos ter agora uma curva contrária a esta projeção que vejo para os próximos anos.