Deles se diz que são perdidamente apaixonados pelos automóveis. Que não deixam de pensar neles um só minuto. Que adoram cuidar das suas peças e mazelas e de compor os motores, quando estes se danificam, como se de corações se tratassem.
Diz-se ainda que trabalham de sol a sol. E que sonham com as reparações, quando se deitam à noite, depois de colocarem as roupas para lavar, ainda com as marcas de óleo a denunciarem a “traição” com esse grande amor que conta quatro rodas e um volante.
Neste “Dia dos Namorados”, fomos ouvir as caras-metades de quem trabalha nas oficinas e casas de peças do pós-venda nacional. Será que estes conseguem conciliar tudo, trabalho e família? Cuidar dos assuntos do coração, olear e fazer corretamente a manutenção dos seus relacionamentos? Sem nunca “riscar” a pintura?
Deixamos aqui seis testemunhos, outras tantas histórias de amor, contadas na primeira pessoa, e com uma mensagem romântica, como não podia deixar de ser, para dar cor a este dia especial. E uma pergunta, já agora. Reza o ditado popular, que, “em casa de ferreiro, o espeto é sempre de pau”. E em automóvel de mecânico?
Barulho, felicidade e pneus
“Uma casa cheia de alegria e barulho, muito barulho”. Haverá melhor maneira de descrever o amor e a felicidade do que as palavras de Rita Alves, de 35 anos, que, com Luís Santos, de 47 anos, mais conhecido por Litó dos Pneus, tem três filhos: o João (de quatro), o Manuel (de sete) e a Maria Francisca (de apenas 14 meses). “Sem esquecer a cadela Lola, o gato Pompeu e a tartaruga Custódia”, frisa.
A Emporpneus, onde trabalha o Luís, foi fundada pelo seu pai, o “sr. Fernando”, que ainda vai à empresa todos os dias. “É o pai Tó, como é conhecido cá em casa. Ocupa um lugar privilegiado no nosso coração”, garante Rita Alves.
“É um trabalho duro e que implica muitos sacrifícios. Nos últimos cinco anos, o Luís teve 15 dias de férias. Trabalha de segunda a sábado, sempre, mesmo com lesões musculares e adoentado”, lamenta.
“Tem a vantagem de ser perto de casa e da escola dos meninos. Conseguimos tomar o pequeno-almoço e jantar em família, e, com o confinamento, almoçar também”, adianta.
A gestão de horários é uma ciência praticada pelos dois. “Somos muito rigorosos, no trabalho e em casa. Só assim conseguimos sobreviver ao dia a dia! Mas nem sempre é uma missão bem-sucedida”, admite ao Check-up.
“Aparentemente”, o Luís consegue fechar a porta do trabalho quando chega a casa. “Conta as peripécias do dia, as boas e as más, e não fala mais no assunto”, diz. “No entanto, há preocupações que guarda só para ele e que, muito dificilmente, as conseguimos ver no seu olhar”.
Na mensagem de amor de Rita Alves para Luís Santos, não falta uma pitada de humor, para salgar o amor. “Os defeitos tenebrosos, como a teimosia, a casmurrice e o orgulho são suavizados pela lealdade, coragem, generosidade e, sobretudo, pelo bom gosto em escolher vinho”.
Do bar para a fábrica de moldes
A história de Marisa Gameiro, de 31 anos e de Nuno Araújo, de 41 anos, começou num bar onde ambos trabalhavam. Primeiro, vieram os copos e a amizade. Só depois o amor e os automóveis. “Estamos juntos desde 2010”, conta Marisa, que, hoje, trabalha numa perfumaria.
Nuno Araújo, por sua vez, abraçou a área dos orçamentos, “numa fábrica que faz moldes para a indústria automóvel”, explica Marisa ao Check-up.
Pesando os prós e contras, não encontra grandes defeitos na atividade do namorado. “Gosto de praticamente tudo. É uma área de que pouco ou nada entendo, mas consigo perceber que, apesar da exigência, ele é muito feliz na sua profissão”, adianta.
E consegue carregar no botão off quando chega a casa? “Como todos nós, há alturas em que é mais complicado. Mas, de uma maneira geral, ele consegue desligar”.
Conversas e chapas de matrículas
Tudo começou com uma brincadeira online. “O bla, bla, bla correu muito bem, por sinal, e passado um ano já vivíamos juntos”. A história de Lara Carvalho (44 anos) e de Bruno Miguel Varanda da Silva (quase 44) arrancou de um modo “virtual”, sim, mas acabou por materializar-se em duas filhas: uma com nove e outra com 10 anos de idade.
“O Bruno trabalhava numa empresa de chapas de matrículas quando o conheci. E, três anos depois, recebeu a proposta para ir trabalhar para a APL, onde está até hoje. Eu sou vendedora na Phone House”, adianta Lara.
Peça por peça, ambos montaram um horário que lhes permite “passar boas horas em família, até porque trabalhamos por turnos e ajuda”, acrescenta.
“O que eu mais gosto na profissão dele é mesmo saber que ele está realizado. Transmite isso diariamente”, diz. O pior? “É ele viver muito para o trabalho, mesmo quando está de férias ou de folga”, reconhece ao Check-up.
Sorrisos e peças do ofício
De colegas numa fábrica de fechos de correr (Opti-Lon), a marido a mulher. A história de amor de Carla Bastos Guterres (47 anos) e de Carlos Santos Guterres (57) continua a correr, forte, agora que ele trabalha na Merpeças e ela ajuda a fazer sorrisos, como assistente dentária, num mundo atual, que os obriga a esconder atrás de uma máscara, por motivos de segurança.
Entre os dois, a dinâmica profissional e familiar ocupa os espaços certos. Às horas certas. Carla aprecia a “própria gestão de tempo” que o trabalho de Carlos permite. E apenas não gosta muito, admite, da “roupa suja de óleo” que costuma colocar na máquina de lavar no fim do dia.
O automóvel de família cumpre todos os requisitos de alguém que trabalha no aftermarket. “Só não está (e é…) melhor por falta de mais dinheiro”, reconhece Carla. Mas isso, na verdade, são “os ossos, ou as peças do ofício”.
Em busca do parafuso perfeito
Quantas combinações de amor se podem fazer à volta do número 13? “Eu faço anos a 13 de maio, o Tozé a 13 de junho e a nossa filha, Mariana (quatro anos), a 13 de julho”. Delma Paola Jacinto (29 anos) e José Lopes (36) conheceram-se na terra dela, na Bolívia, em 2014.
“Ele foi trabalhar para uma empresa francesa que estava a realizar um projeto de gasodutos. Foi logo no primeiro dia de trabalho, numa pedreira, que era fornecedora da firma dele. O meu chefe também era mecânico e amigo do Tozé e isso servia de desculpas para ele lá ir todos os dias, à procura de parafusos… numa pedreira!”, brinca Delma Paola. “Assim começámos a ficar amigos e, passados uns meses, a namorar. Ainda continuamos”, confidencia.
Na altura, José era já chefe de mecânica da empresa. Delma Paola tem o curso de gestão e, hoje, colabora, nessa área, na oficina J. Lopes (embora seja mais conhecida como Tozé Car), em Pombal, juntamente com ele.
“O que mais gosto é a paixão dele pela profissão, o gosto que tem em resolver os problemas de cada viatura, sejam modelos recentes ou antigos. É muito dedicado ao trabalho”, conta. Menos positivo? “Muitas vezes, o compromisso com os clientes faz com que passe muito tempo na oficina”, lamenta Delma Paola.
Paixão de várias cores
São ambos “caixeiros”, mas em empresas e ramos diferentes dentro do pós-venda automóvel. Enquanto Sónia Ley (45 anos) lida com tintas e na Sodicor, Luís Miguel Morais (50) trabalha nas peças da Auto Júlio.
Foi uma espécie de encontro entre cores e peças de automóveis que deu em casamento, em 2006, e que gerou um filho, que, atualmente, conta já com 23 anos de idade.
“Não é difícil gerir horários, porque, no nosso caso, são os mesmos, tanto na entrada como na saída. E folgamos os dois ao fim de semana”, esclarece Sónia Ley.
Em nome da honestidade, admite: “Nenhum de nós consegue desligar do trabalho. Mas falamos sobre o que nos chateia ou deixa felizes e, depois, decidimos não falar mais sobre o assunto e viver a nossa vida”.