Nem sempre o ambiente foi tema corrente na sociedade portuguesa – e mundial. Muito antes da popularização dos veículos elétricos e da crescente pressão para abandonar os combustíveis fósseis, uma das primeiras grandes batalhas ambientais foi travada contra um “adversário invisível”, mas perigoso: o chumbo na gasolina.
Esta medida, muitas vezes esquecida, foi uma decisão pioneira no combate à poluição e à proteção da saúde pública, que marcou profundamente o rumo da política ambiental na Europa, incluindo Portugal.
O uso de chumbo tetraetila como aditivo na gasolina começou nos anos de 1920, com o objetivo de melhorar o desempenho dos motores. Durante décadas, a sua utilização foi vista como um avanço tecnológico, essencial para a indústria automóvel. Contudo, à medida que os impactos ambientais e de saúde se tornaram evidentes, a comunidade científica e os governos perceberam que este “progresso” tinha um custo demasiado elevado.
Estudos demonstraram, inclusivamente, que a exposição ao chumbo, mesmo em pequenas quantidades, pode causar danos irreversíveis ao cérebro, particularmente em crianças, além de estar associada a doenças cardiovasculares e problemas respiratórios.
Caso português
A União Europeia desempenhou um papel crucial na eliminação progressiva da gasolina com chumbo. Em 1985, as primeiras regulamentações começaram a ser introduzidas, incentivando o uso de gasolina sem chumbo e estabelecendo limites rigorosos para as emissões automóveis. A década de 90 foi um período de transição para muitos países europeus, que adotaram medidas mais agressivas para eliminar o uso deste aditivo.
Em Portugal, de resto, a transição para gasolina sem chumbo começou em 1991, numa altura em que o país enfrentava os desafios da modernização e da integração europeia.
O processo não foi imediato nem isento de resistência, especialmente por parte da indústria petrolífera e de alguns consumidores, que temiam custos mais elevados e dúvidas sobre a eficiência dos motores. No entanto, a implementação de políticas públicas eficazes, como a diferenciação de preços e incentivos fiscais, ajudou a acelerar a mudança.
A 1 de janeiro de 2002, Portugal deu o passo final: a gasolina com chumbo foi completamente proibida no mercado nacional, alinhando-se, no fundo, com a diretiva europeia que estabelecia a sua eliminação em todos os Estados-Membros. Esta decisão foi celebrada como um marco ambiental, contribuindo, de forma categórica, para a redução dos níveis de chumbo na atmosfera e para uma melhoria na saúde da população.
Planeta mais saudável
A eliminação da gasolina com chumbo é considerada uma das políticas de saúde pública melhor sucedidas do século XX. De acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a proibição global do chumbo na gasolina evitou milhões de mortes prematuras, melhorou o desempenho cognitivo de crianças em todo o mundo e reduziu, drasticamente, os casos de doenças cardiovasculares.
Em Portugal, estudos realizados nos anos seguintes à proibição mostraram uma redução significativa dos níveis de chumbo no sangue da população, especialmente nas crianças. Além disso, os benefícios ambientais foram igualmente notórios, com uma melhoria da qualidade do ar nas grandes cidades e uma diminuição da contaminação dos solos.
Transição energética
Se o adeus ao chumbo marcou o início de uma nova era na política ambiental, a transição para veículos elétricos e o abandono de combustíveis fósseis representam um novo capítulo neste percurso. Tal como aconteceu com a gasolina com chumbo, esta transição enfrenta desafios tecnológicos, económicos e sociais.
Contudo, a experiência acumulada demonstra que mudanças aparentemente difíceis são possíveis com vontade política, inovação e sensibilização da sociedade. Ainda assim, ao recordar a luta contra a gasolina com chumbo, fica evidente que o caminho para a sustentabilidade é feito de pequenos grandes passos.
Se, ontem, foi a eliminação de um aditivo tóxico, hoje é a descarbonização. Amanhã, quem sabe, será uma revolução completa na forma como produzimos e consumimos energia.