Após três dias dedicados ao tema “Thinking Beyond The Transition”, a 12.ª Automotive Industry Week terminou em Matosinhos. A iniciativa da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA) deixou uma mensagem clara: a transição em curso é estrutural e só poderá ser bem-sucedida com “competitividade, estabilidade regulatória, investimento em talento e inovação tecnológica”.
“Elefante na sala”
Na abertura, José Couto, presidente da AFIA, alertou para o “elefante na sala”: a falta de competitividade europeia. Sublinhou a perda de terreno tecnológico e de qualificações, a pressão da concorrência asiática e o impacto de uma regulação europeia excessiva. “Portugal deve apoiar os fornecedores que investem, reindustrializar, reforçar as exportações e explorar novas áreas, como defesa e mobilidade”, defendeu.
O secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira, destacou que a prioridade do Governo é “criar valor através da inovação, investimento e internacionalização. Referiu o lançamento de quatro agendas mobilizadoras com mais de 100 parceiros e 244 milhões de euros de investimento, bem como 150 milhões de euros adicionais destinados à indústria no âmbito do PRR”. O programa STEP, com 1,2 mil milhões de euros, foi, também, apontado como instrumento-chave para projetos que cubram todo o ciclo de inovação.
“Europa precisa de acordar”
Walt Madeira, da S&P Global Mobility, foi direto: “A Europa precisa de acordar. O objetivo de eletrificação total em 2035 é inatingível”. Defendeu que o ritmo imposto por Bruxelas deve ser ajustado à realidade dos mercados e à capacidade da indústria.
Jorge Castro, vice-presidente da AFIA, traçou o retrato do setor nacional: “360 empresas, que representam 5% do PIB, 14,4 mil milhões de euros de vendas e 63 mil empregos”, revelou.
Quase 94% da produção é exportada, sobretudo para a Europa. Entre 2019 e 2024, o custo médio por trabalhador subiu 27%, enquanto a produtividade cresceu apenas 5%, sinalizando a necessidade de políticas que reforcem a atração de investimento e o apoio às PME.
O presidente da CLEPA, Matthias Zink, reforçou que a eletrificação é inevitável, mas deve ser exequível. “Enquanto os EUA promovem e a China planeia, a Europa regulamenta”, afirmou, apelando a uma revisão urgente da política industrial europeia.
Madalena Oliveira Silva, presidente da AICEP, por seu turno, reconheceu que “o setor automóvel é um dos pilares das exportações nacionais” e que Portugal combina inovação, talento e capacidade produtiva, mas enfrenta contradições entre a ambição verde e a falta de instrumentos eficazes de apoio.
Protocolo de cooperação
Um dos momentos simbólicos do evento foi a assinatura do protocolo de cooperação entre a AFIA e a SERNAUTO (Espanha), reforçando a Península Ibérica como ecossistema integrado de componentes e plataforma de captação de investimento.
Durante a tarde, António Costa e Silva, ex-ministro da Economia, alertou para o declínio do comércio mundial e criticou a “obsessão regulatória europeia”. Defendeu que a inovação deve prevalecer sobre a burocracia e que o fim dos motores de combustão em 2035 é uma meta “mal desenhada e contraproducente”.
Já Miguel Lopes Cardoso, da Sodecia, sublinhou que a transição é uma mudança de identidade e propósito, que exige diversificação, requalificação e visão internacional. “Na turbulência surgem oportunidades. Temos de nos afirmar como fornecedores estratégicos”, disse.
No encerramento, José Couto voltou a destacar o papel do planeamento estratégico e apontou a defesa e a Inteligência Artificial como novas áreas de oportunidade. “A Europa vive numa camisa de forças. Temos de repensar metas e reduzir a carga burocrática. A AFIA quis mostrar que existe um caminho — e mostrou”, concluiu.
A 12.ª Automotive Industry Week decorreu de 4 a 6 de novembro, no Hotel Solverde, em Vila Nova de Gaia, reunindo líderes da indústria automóvel, compradores internacionais e decisores políticos. Incluiu pitch sessions, visitas técnicas e workshops temáticos, reforçando o papel de Portugal como player relevante na transição global da mobilidade.