O armazém da Romafe, em Coimbra, não para de crescer. Tal como a própria empresa, que, em 2025, assinala oito décadas de história, sempre em evolução.
Fundada por Alfredo Pinto França e, hoje, conduzida pela terceira geração da família, a Romafe mantém raízes firmes no Porto, mas alargou horizontes e geografias ao longo dos anos, afirmando-se com solidez no setor industrial e, mais recentemente, com determinação e inovação no aftermarket automóvel.
Entre as suas apostas mais diferenciadoras, destaca-se a comunidade GoShop — um projeto dinâmico, colaborativo e em permanente transformação, que une parceiros de norte a sul do país e aprofunda a ligação entre distribuição, oficina e tecnologia.
Com uma abordagem prática, sem vínculos excessivos, a GoShop distingue-se pela capacidade de adaptação, pela incorporação de ferramentas digitais, pela aposta em marcas exclusivas e por uma lógica de valor partilhado.
Mas a Romafe é, também, cada vez mais, sinónimo de responsabilidade social. Essa dimensão solidária sempre fez parte da sua identidade e tornou-se visível em ações como o apoio ao IPO do Porto, o acolhimento de animais abandonados ou o projeto de reflorestação que está prestes a ser lançado.

Em entrevista ao Check-up, José Carvalho, administrador responsável pela área automóvel, revela uma ligação profunda a estas causas. Para a Romafe, a responsabilidade social não é uma ferramenta de marketing, mas uma forma natural de estar e de ser.
Numa conversa aberta e direta, que decorreu nas renovadas instalações da empresa, em Coimbra, falou-se de estratégia, de valores e de futuro — com os pés bem assentes na terra e uma convicção clara: um negócio com “propósito” será sempre mais forte.
A GoShop consolidou-se e é, hoje, uma comunidade viva e participativa. Como se cultiva esse espírito de pertença no dia a dia?
Acima de tudo, esse espírito nasce da ligação que temos com as empresas envolvidas, do enquadramento que demos ao projeto e, sobretudo, da vontade que já existia por parte dos nossos clientes em fazer parte de algo assim — mas sem ficarem presos a compromissos excessivos, como acontece noutros modelos. Inovar diariamente é fundamental.
Hoje, por exemplo, estamos aqui a lançar a Kamoka, uma marca exclusiva da GoShop. É um trabalho constante, feito em conjunto. Há dias de desmotivação, outros de entusiasmo renovado. O essencial é pensarmos juntos, num negócio que nem sempre é fácil — este ano, em particular, foi exigente. Mas seguimos em frente, lado a lado.
Com a entrada da Kamoka como marca exclusiva, que oportunidades técnicas e comerciais se abrem para os parceiros da comunidade GoShop?
A Kamoka representa uma linha mais budget, mais acessível, com uma gama completa. E, até agora, tinha uma presença residual no nosso mercado. Um dos nossos parceiros GoShop trabalhava com a marca e passou-nos esse testemunho.
“Hoje, por exemplo, estamos a lançar a Kamoka, uma marca exclusiva da GoShop. É um trabalho constante, feito em conjunto. Há dias de desmotivação, outros de entusiasmo renovado"
Acreditamos que abre novas possibilidades, num segmento médio-baixo que tem muito peso no aftermarket. Esta exclusividade permite aos parceiros diferenciarem-se. Claro que, no futuro, poderá ser estendida aos restantes clientes da Romafe — mas o objetivo é que a força da GoShop chegue para sustentar a marca. Vamos ver se os parceiros correspondem às metas da marca. Eu acredito que sim.
A integração digital tem sido uma prioridade para a comunidade GoShop. Que próximos passos estão previstos para tornar os processos ainda mais inteligentes e interligados?
O nosso objetivo é chegar a um sistema quase unificado, onde tudo flua de forma sequencial. Que uma encomenda, por exemplo, possa gerar, automaticamente, uma fatura, com impacto mínimo em termos administrativos. O ideal seria que bastasse ir à prateleira, retirar o produto e entregá-lo — tudo o resto estaria automatizado.
Além disso, temos investido no contacto com as oficinas dos nossos parceiros — que não são clientes diretos da Romafe — através de software, formação e do GoRepair, lançado este ano com bastante sucesso.
Existe um processo de seleção natural dentro da comunidade GoShop. Como se equilibra a exigência com o espírito de inclusão num mercado em transformação?
Temos de dar a quem entra agora as mesmas oportunidades que demos aos primeiros parceiros. Naturalmente, quem chega precisa de tempo para se adaptar, tanto à dinâmica do fornecedor como à lógica do projeto. Os que já cá estão também passaram por esse percurso. É preciso equilíbrio e bom senso de ambas as partes. Quando isso acontece, todos beneficiamos.





Na expansão geográfica prevista para 2025, o que determina a escolha de uma nova zona ou parceiro? E que desafios têm encontrado nesse processo?
Queremos cobertura nacional da marca GoShop. Historicamente, a nossa força esteve mais no norte, mas temos já presença significativa em Lisboa. Falta-nos chegar a outras zonas, onde o interior é mais desafiante — menos oportunidades, menor densidade.
Ainda assim, temos casos de sucesso, como Castelo Branco, onde o parceiro é uma referência. E contamos com a vossa ajuda na divulgação sempre que entra um novo membro. Essa parceria é fundamental.
Nos últimos anos, a Romafe tem apoiado causas que ultrapassam o universo automóvel. Como é que a responsabilidade social corporativa/empresarial se tornou parte integrante da identidade da empresa?
Sempre fez parte do nosso ADN. A minha colega da administração, Mónica França, tem um carinho muito especial pelos animais — nas instalações do Porto vivem seis gatos abandonados e um cão. Mas vai muito para além disso.
A responsabilidade social está entranhada na forma como nos relacionamos com colaboradores, parceiros e comunidade. Não é marketing. É natural. É coerência. É imagem, no verdadeiro sentido da palavra — aquilo que somos quando ninguém está a ver.
O projeto de reflorestação é uma iniciativa forte e simbólica. Como surgiu esta ideia e que impacto esperam alcançar com ela?
Queremos que cada reunião com os nossos parceiros possa, pelo menos uma vez por ano, deixar uma marca concreta e positiva. A reflorestação surgiu nesse espírito. Mas não se trata de plantar árvores ao acaso. O projeto será realizado com base em critérios técnicos, de ordenamento do território e sustentabilidade a longo prazo.

Provavelmente, será no Caramulo, numa zona bem definida, com as espécies adequadas e em número equilibrado. O impacto que procuramos é real, mensurável e duradouro. Porque é assim que se constrói futuro — com responsabilidade.
Sabemos que a Romafe apoia causas como a inclusão e a igualdade de oportunidades. Há alguma ação recente em que se tenha sentido especialmente envolvido?
Sim. Há uns anos, decidimos substituir os tradicionais brindes de Natal por donativos concretos. Houve quem não compreendesse — clientes que ficaram desiludidos por não receberem o habitual presente. Mas preferimos canalizar esse valor para algo com verdadeiro impacto.
Compramos bens essenciais e entregamos no IPO do Porto, na ala pediátrica. Também ajudamos associações de proteção animal. E, pessoalmente, sempre que entrego esses donativos, sinto que estamos a fazer a diferença. Essa ação continua a marcar-me de forma especial.
Além das ações externas, como se promove internamente uma cultura de solidariedade e consciência social junto das equipas?
É nas relações do dia a dia, com as pessoas com quem criamos laços mais fortes, que essa cultura se transmite. Não com todos, claro — mas com quem valoriza o que fazemos e partilha os mesmos princípios. É uma espécie de seleção natural, também aqui. A empatia é essencial. E os valores têm de ser comuns. A partir daí, tudo flui com mais facilidade.
E o feedback é bom ou não? Sente que as pessoas se envolvem nestas causas de alguma maneira?
Sim, quando há afinidade de valores, o envolvimento surge com naturalidade. Para além da Romafe, desempenho, também, funções como provedor da Santa Casa da Misericórdia de Baião, o que reforça ainda mais essa ligação ao lado social. E sinto, muitas vezes, um interesse genuíno das pessoas em perceber como estas ações acontecem. E, sobretudo, em participar.
“Negócio com propósito” é uma expressão cada vez mais usada. Sente que o aftermarket está preparado para incorporar esta dimensão de forma mais séria?
Ainda não. Neste momento, o setor continua muito centrado no “negócio pelo negócio”. Troca-se de fornecedor por uma questão de preço, sem refletir sobre valor, confiança ou futuro. Mas vamos ter de evoluir. O verdadeiro propósito tem de estar ligado à construção conjunta, à criação de rotinas e a uma visão de longo prazo.
“A responsabilidade social está entranhada na forma como nos relacionamos com colaboradores, parceiros e comunidade. Não é marketing. É natural. É coerência. É imagem, no verdadeiro sentido da palavra — aquilo que somos quando ninguém está a ver"
Noutras áreas, como a saúde, já se percebeu isso: é preciso escala para ter força. E, isso, só se consegue com alianças estratégicas, com partilha. A GoShop quer ser, precisamente, um modelo com propósito.
Celebrar 80 anos é um feito raro e notável. De que mais se orgulha a administração da Romafe em relação ao legado deixado pelo fundador, Alfredo Pinto França?
Talvez os meus colegas pudessem responder melhor. Mas creio que o principal motivo de orgulho é a continuidade. Alfredo Pinto França fundou a empresa. Fernando França fê-la crescer. E, hoje, com a engenheira Mónica França na liderança, mantemos esse rumo.
Cada geração conseguiu acrescentar algo e prepará-la para o futuro. E o reconhecimento do mercado também nos orgulha — mesmo num ano particularmente desafiante como este.
Como é que a cultura da empresa, construída ao longo de oito décadas, continua a moldar as decisões estratégicas de hoje?
Tudo parte do respeito pelo passado. Não podemos construir um bom futuro sem conhecer — e honrar — as decisões do passado. É claro que aquilo que fazia sentido há 20 anos, hoje não fará.
Mas, naquele tempo, as escolhas foram corretas para o contexto existente. E as decisões que tomamos agora também serão questionadas no futuro. Faz parte da evolução. O importante é que o caminho tenha coerência.
A Romafe sempre teve uma abordagem discreta, mas firme. Este aniversário será, também, uma oportunidade para mostrar mais da essência da empresa ao setor?
A discrição tem sido, e continuará a ser, a nossa forma de estar. No aftermarket, ainda somos uma marca jovem. Existem players com mais história neste setor. Noutras áreas, temos um legado mais forte.

Mas achamos que a humildade e o foco são o melhor caminho. Não queremos deixar de ser discretos, mas talvez possamos, aos poucos, mostrar um pouco mais daquilo que somos — com conteúdo e consistência.
Se pudesse escolher um momento-chave destes 80 anos que melhor define o ADN da Romafe, qual seria?
Sem dúvida, o momento em que o Sr. Fernando França decidiu abandonar a venda de produtos industriais genéricos e especializar-se no rolamento — com forte aposta na marca SKF. Foi uma mudança decisiva, que definiu o nosso ADN. Houve outros marcos importantes, claro. Mas esse foi o ponto de viragem.
Como está a nova geração da empresa — ou os rostos mais jovens — a interpretar e prolongar este legado para os próximos 80 anos?
É essencial identificar e envolver pessoas que compreendam a cultura da empresa. A partir do momento em que isso acontece, a passagem de competências dá-se naturalmente. Não adianta planear demasiado a longo prazo.
O mais importante é encontrar quem esteja disposto a integrar-se, respeitar o que já existe e contribuir para o seu aperfeiçoamento. É assim que tudo evolui. Eu próprio sou prova disso — não sou da família, mas fui integrado pelo trabalho desenvolvido. A história da Romafe continua a ser escrita. E, isso, por si só, já é motivo de confiança.