“Está com um barulho tipo ‘grrr-chic-chic’ na frente.” Esta descrição pode parecer absurda para quem nunca passou muito tempo numa oficina, mas, para um técnico experiente, é o início de um diagnóstico.
E este é só um exemplo do universo linguístico muito próprio que existe no aftermarket automóvel — um mundo paralelo onde as palavras comuns ganham outros significados e onde siglas, trocadilhos e gírias tornam a comunicação mais rápida, informal e eficaz entre quem “fala a mesma linguagem”.
18 cm do volante
Nas oficinas de norte a sul do país, há expressões que só fazem sentido dentro daquele ambiente. Um “carro boi” é um veículo que nunca dá problemas. Um “chouriço” é um remendo feito à pressa para resolver o essencial. E um “código 18”? É usado, com ironia, quando se considera que “o problema está a 18 centímetros do volante” — ou seja, no condutor.
As siglas também dominam o discurso técnico: FAP, EGR, ECU, OBD, CAN, ABS. Estas abreviações são o novo alfabeto dos mecânicos, mas, muitas vezes, vão além do significado técnico e já fazem parte da linguagem corrente. “Está com o FAP entupido” pode significar um problema no filtro de partículas… ou que o cliente anda sempre em baixa rotação, sem dar hipótese ao carro de “respirar”, fazendo a regeneração do filtro (queima das partículas).

Ferramenta 39
Há ainda códigos de humor interno, que servem para aliviar a pressão do trabalho. Quando se diz que um carro “tem alma”, pode significar que o problema não tem explicação lógica. E quando alguém pede “a ferramenta 39” — que não existe — é provável que estejam a brincar com o novo estagiário.
As gírias também refletem a cultura da oficina e o tipo de relação entre colegas. Um motor pode ser chamado de “coração”, a embraiagem de “bicho” e o elevador hidráulico de “palco”. Há expressões herdadas de antigos mestres e outras mais modernas, importadas dos fóruns ou redes sociais.
Esta linguagem técnico-informal não é apenas curiosidade: é uma ferramenta de trabalho. Permite comunicar com rapidez, criar espírito de equipa e definir uma identidade comum entre profissionais de diferentes idades e experiências. Em muitos casos, ajuda, também, a criar uma ponte com o cliente — especialmente quando é preciso simplificar sem infantilizar.
No entanto, esta linguagem pode ser uma barreira para quem chega de novo ao setor. Muitos jovens técnicos relatam um “choque linguístico” nos primeiros meses, quando se sentem perdidos entre piadas internas e abreviações desconhecidas. A adaptação vem com o tempo — e com o convívio.