Num mundo onde o silêncio dos veículos elétricos ameaça tornar as estradas assustadoramente calmas, surge uma nova profissão que poucos conhecem: especialista em bioacústica de motores.
Imagine um compositor, que, em vez de escrever sinfonias para orquestras, cria sons para motores que, sem a sua intervenção, seriam mudos. Afinal, o ronco de um motor sempre teve algo de musical e os engenheiros acústicos da indústria automóvel querem que a transição para os veículos elétricos continue a trazer “melodia” e segurança, sobretudo, nos grandes centros urbanos.
O trabalho de um especialista em bioacústica é, assim, um cruzamento entre ciência, engenharia e, de certo modo, arte. Este profissional utiliza uma combinação de equipamentos de som de alta tecnologia, software avançado e estudos de perceção sonora para criar um som específico para cada modelo de automóvel. A fase de desenvolvimento envolve gravações e modulações, onde sons reais e artificiais são misturados até que se atinja o efeito desejado.
Esta é uma profissão recente, mas que promete marcar o futuro da mobilidade. Sem eles, os peões correm o risco de ser surpreendidos por veículos que surgem quase sem aviso. Por isso, estes especialistas não se limitam a criar sons: têm de inventar uma “personalidade sonora” para o modelo, algo que seja, ao mesmo tempo, funcional e, já agora, agradável ao ouvido.
Mas como se cria o som ideal para um carro que nasceu para ser silencioso? É esse o trabalho e o mundo insólito dos especialistas em bioacústica de motores, bem como o impacto desta profissão nos veículos elétricos que vemos (ou ouvimos, em alguns casos) na via pública.
Legislação europeia
Os veículos elétricos, ao contrário dos seus “congéneres” a gasolina ou gasóleo, são quase totalmente silenciosos, principalmente em baixas velocidades. Esta ausência de som representa um avanço significativo no que toca à poluição sonora, mas traz um problema de segurança: sem barulho, os peões e ciclistas têm mais dificuldade em perceber a aproximação de um carro elétrico.
Reconhecendo este desafio, a União Europeia introduziu o Regulamento (UE) 540/2014, que obriga todos os veículos elétricos e híbridos a incluírem um sistema de alerta sonoro conhecido como Acoustic Vehicle Alerting System (AVAS).
Esse sistema deve emitir um som audível a baixas velocidades (até 20 km/h) de circulação e em marcha-atrás, garantindo a segurança de peões e outros utilizadores da via. Surgia, deste modo, a figura do especialista em bioacústica de motores, um engenheiro de som que se dedica a garantir que o veículo elétrico não seja só ouvido, mas que se destaque por ter um som único e identificável.
A tarefa deste profissional passa por criar sons que sejam, ao mesmo tempo, audíveis, agradáveis e característicos da marca. Não se trata de recriar o barulho de um motor de combustão — o desafio é, antes, desenvolver uma nova identidade sonora para cada veículo elétrico.
Resposta das marcas
A resposta das marcas fez-se ouvir. A Renault, com o seu modelo elétrico ZOE, desenvolveu um som exclusivo parecido com o de uma nave espacial, que varia dependendo das condições de condução e da velocidade.
A marca optou por criar sons que se ajustam ao ambiente, sendo mais audíveis em áreas urbanas movimentadas e mais suaves em locais mais tranquilos. O som foi projetado para ser futurista, mas mantendo um toque familiar, que reflete a imagem acessível e inovadora da marca.
Já a Nissan, por exemplo (uma das primeiras a implementar um sistema de som distinto no seu modelo elétrico LEAF) recorreu, também, a um som futurista e ligeiramente agudo para alertar os peões.
A Porsche, conhecida pelo seu legado desportivo, criou um som específico para o Taycan, que combina um toque tecnológico com a essência robusta de um carro desportivo, garantindo que mesmo um elétrico consiga transmitir performance e dinamismo através do som.
A BMW, por outro lado, contratou o célebre compositor Hans Zimmer para desenvolver sons para os seus veículos elétricos i, incluindo o i4 e o iX. O objetivo foi criar uma experiência sonora premium e emocional que refletisse o ADN da marca, mostrando que o som de um carro pode ser uma extensão da sua identidade.
No caso da Mercedes-Benz, o som dos seus veículos elétricos, como o EQS, foi pensado para transmitir elegância e sofisticação, sem deixar de lado a funcionalidade de alerta.