Com o país (e o mundo) imobilizado devido à pandemia, o setor da repintura automóvel vive dias cinzentos. As deslocações resumiram-se ao essencial, a média de quilómetros percorridos pelos portugueses baixou drasticamente. E, com ela, o número de acidentes, o que se traduziu numa redução estrutural da atividade da reparação.
Em entrevista ao Check-up, João Calha, key account manager & training center leader da Axalta Coating Systems Portugal, garante que o mercado voltará a ganhar cor e que a carreira de pintor continua a ter um futuro promissor e uma elevada empregabilidade. Mas defende que esta profissão precisa de ser valorizada aos olhos da sociedade para conquistar as camadas mais jovens.
Um estudo recente (da Fixando) coloca os pintores do ramo automóvel no top 10 das profissões mais rentáveis de 2021. Que comentário merece este estudo?
Não conhecendo o estudo em detalhe, por um lado não me surpreende. Diria mais que uma profissão rentável é, certamente, uma profissão com um índice de empregabilidade muito alto.
O mercado está a necessitar de profissionais de pintura. Uma oficina que queira crescer na sua atividade, um dos maiores desafios que terá é encontrar novos profissionais.
Estamos perante uma profissão de vanguarda, com possibilidade de progresso de carreira, e com uma expectativa de empregabilidade na ordem dos 100%. Mas continuam a faltar profissionais. Qual a explicação?
Na minha opinião, o problema está na valorização da profissão. A pintura ainda é vista como área menos nobre da reparação automóvel, menos desenvolvia e, por isso, menos prestigiante.
Isto faz com que um jovem mais facilmente opte por enveredar pela mecatrónica ao invés da pintura. No entanto, essa não é a realidade. A pintura automóvel evoluiu muito nos últimos anos e, hoje, é cada vez mais desafiante e tecnologicamente evoluída.
A formação existente, no nosso país, é suficiente?
Julgo que os meios disponíveis em Portugal são suficientes. Temos várias instalações capacitadas para formar pintores, desde centros de formação ligados ao IEFP ou a outras instituições, como a Santa Casa da Misericórdia (Aldeia de Santa Isabel), centros de formação de algumas marcas de automóveis (como Mercedes-Benz e Toyota Caetano Auto) e os próprios fabricantes de tintas.
Apesar dos fabricantes estarem mais direcionados para os profissionais, nós, na Axalta, criámos um curso específico direcionado a aprendizes de pintura, que tem como objetivo acelerar a formação de novos profissionais para o mercado.
A solução passará pelos mais novos? Pelas escolas?
A única possibilidade terá de passar pelos mais novos. Temos de encontrar maneira de trazer novos profissionais para a área. De outra forma, poderá ter um impacto muito grande nesta atividade.
O que se poderá fazer para trazer mais alunos para este ramo?
Do meu ponto de vista, apesar de não ser uma solução de resultados imediatos, passa por se valorizar a profissão. Este é o ponto fundamental. Temos de tornar a profissão atrativa para que mais jovens ambicionem ser pintores de automóveis. E, aqui, a responsabilidade é de todos os players do mercado: centros de formação, oficinas, fabricantes e fornecedores de tintas, marcas de automóveis e imprensa da especialidade, entre outros. Na Axalta, temos realizado várias iniciativas, como a formação de aprendizes que mencionei acima.
Apostamos cada vez mais na digitalização dos processos de pintura, nas ações com alguns centros de formação de jovens, onde possibilitamos experiências para valorizar a profissão, e temos trazido o tema para discussão, em especial na comunicação social da especialidade.
De que forma está a pandemia a afetar a repintura automóvel em Portugal?
Os impactos da pandemia no setor da repintura automóvel, como em todas as áreas da sociedade, são enormes e diversos. Como esta realidade representa algo que as pessoas não conhecem, na sua plenitude, faz com que esses receios alterem, de forma significativa, as suas ações e as suas rotinas, o que, em termos práticos, representa uma redução de mobilidade.
Facto esse que provoca uma redução de quilómetros percorridos: menos acidentes, logo menos reparações. As oficinas de pintura terão, obrigatoriamente, de adaptar-se a esta nova realidade. O nível de eficiência terá de ser ainda maior, terão de ser capazes de fazer mais com o mesmo e reduzir os tempos de imobilização das viaturas. Também os níveis de organização do negócio terão de ser diferentes.